quarta-feira, 19 de abril de 2023

Resenha: Vício e virtude - Kent Dunnington

 


                Adicção se tornou um assunto quase esquecido no meio teológico e pouco comentado no meio filosófico. Grande parte das nossas opiniões sobre o tema se dá tão somente pela chamada opinião cientifica, que caracteriza a adicção como doença, ou a opinião religiosa infundada, que sem nenhum aprofundamento reflexivo sério, rotula como pecado. No geral, parece que a ciência bateu o martelo decisivamente para que a definição de doença seja amplamente aceita, inclusive pela igreja, que por motivos não muito claros desistiu de fazer reflexões bíblicas no que tange a esse assunto. É uma doença? Quais as evidências cientificas que confirmam essa teoria? É algo que se encontra exclusivamente no campo da moralidade religiosa? Com explicar a experiencia adicta em face da opinião de que é somente um ato voluntário? Kent Dunnington, PHD em filosofia, professor em teologia ética e filosofia da adicção, traz de forma aprofundada cada uma dessas indagações respondidas em seu livro Vício e virtude – a adicção sob uma perspectiva teológica.

               O autor desenvolve o tema de forma muito ordenada e coerente. Inicialmente ele desmistifica a adicção como doença e mostra que só é possível fazer essa afirmação com alguns pressupostos científicos que não foram muito bem elaborados para a definição em questão. Em uma das desconstruções da adicção como doença, ele demonstra que para chegar a essa conclusão é pressuposto alterações estruturais no cérebro do adicto, onde ele refuta argumentando que tais alterações também ocorrem nos cérebros de musicistas e que isso não os torna doentes e nem retira a voluntariedade do músico ao tocar um instrumento. Outro pressuposto descontruído, é o de que se trata de uma doença por possuir bases genéticas, ignorando o fato de que predisposição genética também não anula o ato voluntário do agente, pois até mesmo crianças, que cientificamente herdam genes dos seus pais que influenciam o pensamento e a ação, não são consideradas doentes por seus comportamentos alegres ou religiosos que foram herdados.

               O tratamento que normalmente é oferecido para adictos é o medicamentoso, sendo influenciado pela definição de adicção como uma doença. Kent argumenta que essas intervenções medicamentosas não são apoiadas por evidências, levando em consideração que a maioria dos adictos param de praticar as suas adicções em um contexto livre de influências médicas, passando a levar uma vida normal, até mesmo, livre de recaídas. Um dado interessante que o livro nos traz é que o índice de remissão (recuperação) é significativamente menor em um contexto de tratamento médico se comparado com a população em geral, a maioria da qual não procura tratamento. Os dados também demonstram que o baixo índice de recuperação está em desacordo com uma evidência que o autor considera a mais abrangente: essas pesquisas são realizadas com pacientes que obtiverem tratamento, ignorando a população significativamente maior de pessoas adictas que se recuperaram e nunca procuraram um tratamento. Ou seja, os dados claramente demonstram que os índices de recuperação são maiores do que os relatados pelas organizações de saúde e que o tratamento da adicção como doença não pode ser fundamentada no sucesso do tratamento médico, que é inferior ao índice de recuperação da população em geral que nunca fez tratamento. 

               Dunnington sugere que para deixarmos de acreditar em supostas dicotomias levantadas por uma falta de compreensão da adicção, devemos recuperar a categoria da adicção como um hábito. Com as mais diversas citações de filósofos e teólogos, em especial Aristóteles e Tomás de Aquino, ele argumenta que a adicção se enquadra na categoria de hábito e faz reflexões sobre a deliberação do comportamento, a voluntariedade da ação e as suas aplicações em um contexto de adicção que deve formar um panorama em que  o agente determina racionalmente que um comportamento deve ser rejeitado e, ainda assim, se envolve no comportamento, agindo contrário a sua escolha e juízo racional, inclusive, após anos sem o uso da substância viciante, o que torna tudo ainda mais intrigante. Ainda de acordo com a argumentação, a categoria de hábito é aquela que intermedia o determinismo causado pela definição de doença e o voluntarismo dado como resposta rápida aqueles que não aprovam essa definição. Dessa forma, a recuperação, conforme definida por Kent, consiste no desenvolvimento de novos hábitos com um trabalho interno necessário para esse desenvolvimento.  Outras reflexões do livro são: adicção e intemperança, em que incluem definições dos prazeres sensoriais e os bens morais; Adicção e modernidade – o adicto como profeta involuntário; o tédio moderno e a solidão moderna.

                  Além do pensamento da adicção na categoria do hábito, o autor nos propõe uma compreensão antiga e correta da adicção como pecado, o que aumenta ainda mais o nosso entendimento sobre o comportamento adictivo. A argumentação consiste em que essa categoria não implica em uma postura moralista e nem voluntarista, mas que se harmoniza com o ensino de agostinho de escravidão da vontade humana que foi amplamente aceito pela igreja de Cristo, que por sinal, é muito bem exposta pelo autor utilizando-se de outras citações. Dessa forma, na teologia agostiniana, podemos ser incapazes de não pecar e, ainda assim, ser considerado agindo voluntariamente em nosso pecado. Da mesma forma que a categoria de hábito intermedia o determinismo da definição de doença, e o voluntarismo oposto, a doutrina do pecado faz a mediação entre o pelagianismo extremamente voluntarista, por um lado, e o maniqueísmo determinista, por outro lado. Dessa forma, Dunnington demonstra que a abordagem da adicção como pecado pode ser acomodada a experiência do adicto e o discurso da adicção.

                 Nos últimos capítulos do livro, Kent aponta a adicção como uma adoração falsificada e uma busca de encontrar no imanente aquilo que só pode ser encontrando no transcendente. De acordo com ele, ser um adicto é entrar em uma relação com a substância na qual tudo na vida só faz sentido quando ela o acompanha e da significado a todas as outras coisas. A proposta é de que apenas caridade, que é o amor completo, concreto e real a Deus, pode ordenar todos os nossos atos para o seu fim e se impor sobre todos os outros hábitos adictivos. A busca adicta por algo maior do que qualquer coisa que se encontra no seu cotidiano, se encerra quando ele entra em um relacionamento com o Deus transcendente que dá significado e coloca em ordem todas as demais afeições. O papel da comunidade cristã, o que os adictos buscam nos grupos de doze passos e que não é encontrado na igreja, são assuntos também explorados nesses capítulos finais dessa obra tão necessária para os nossos dias de relativização e afirmações cientificas que muitas das vezes são infundadas.  

Autor: Wesley Kennedy


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